terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Uma Análise sobre Veículos Clássicos ou Colecionáveis em nossa atual realidade

Às vésperas de 2015 me dei conta que foi justo há 15 anos, portanto na virada do milênio, que os veículos colecionáveis no Brasil (clássicos e futuros clássicos), ganharam definitivamente um novo status. Entraram à partir daí para o gosto de legiões de fãs, pouco à pouco a cultura antigomobilista enfim se popularizou.
Até a década de 1970, praticamente não existia o hábito no país, colecionar carros era coisa de família Matarazzo pra cima, então surgiram precursores como os paulistanos Og Pozzoli, Roberto Lee (Filho do engenheiro visionário Fernando Eduardo Lee) e um pouco depois Flávio Marx, tidos como excêntricos, que cultivaram o gosto e vislumbraram a importância da preservação de automóveis que certamente teriam outro destino, aproveitando inclusive a baixa demanda de mercado à época, para arrematar a preços relativamente módicos, modelos que muito tempo depois se valorizariam muitíssimo, como alguns Vintage (1919-1930), Post Vintage (1930-II WW) e Classic Cars (Post II WW).
Nesse cenário, ocorrem fatos históricos como as crises do petróleo, sendo a última no início dos anos 1980, afetando diretamente qualquer interesse por veículos que não fossem estritamente funcionais. Clássicos V8 americanos foram por aqui desprezados e dizimados, tendo porém anos mais tarde um despertar muito maior do que qualquer imaginação pudesse aventar.

Com a abertura dos portos em 1990, após 25 anos de mercado recluso, o foco (daquele cidadão que seria o futuro entusiasta antigomobilista) no início dos 90 parecia realmente rondar a possibilidade de comprar um carro 0km para uso com a chancela tributária dos automóveis ditos populares no governo de Itamar Franco (pagavam menos imposto os veículos de até 1,0 litro implementados no mercado por força da lei, assim como a "exceção" o VW Fusca 1,6 litro, reeditado entre 1993 e 1996 à pedidos do Palácio do Planalto) e no degrau acima os de qualidade superior, como os importados acessíveis que inundaram nosso mercado com muitas opções à partir de 1993.

É difícil determinar um verdadeiro estopim para o início do "Antigomobilismo em Massa" por aqui, na economia tínhamos o florescer do plano real, o primeiro alento nesse sentido há décadas, no cenário mundial, saíamos finalmente do status de país subdesenvolvido e entrávamos no de país "em desenvolvimento".
Internet, globalização, possibilidade de importação de peças e taxas cambiais convidativas, foram sem dúvida outros importantes fatores nessa estória. Pouco à pouco, a imprensa automotiva, de olho naquilo que se passava mundo afora, abria segmentos para esse novo nicho, noticiava e conclamava para os eventos já existentes mas que tinham abrangência restrita até então. No final da década de 90, já existiam não só artigos como mídias específicas sobre o hobby, foram os anos derradeiros das boas ofertas por veículos até aí esquecidos mas que em breve seriam disputados ferrenhamente tanto pelos colecionadores tradicionais como pelos milhares de novos pretensos apreciadores ou acumuladores de veículos antigos.

Em mercados consolidados e de larga tradição na preservação histórica e de costumes, incluindo o antigomobilismo, como EUA, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Japão dentre outros, existe um relativo fluxo que praticamente determina oferta e procura, fazendo com que existam verdadeiras "tabelas" no que se refere a preços de veículos clássicos, dependendo de seu estado, originalidade e procedência.

Por aqui, ainda estamos amadurecendo nesse sentido, após grandes altas em preços gerados por fortes demandas porém inconsistentes, observamos não só estagnação como certo recuo nesse mercado entre 2008 e 2014. Fora fatores econômicos, existiu certo fenômeno de paralisação, em função de que boa parte dos então "novos" colecionadores predispostos a se estabelecer no hobby, já haviam adquirido suas pretensões e pelo menos a curto prazo não tencionariam por novas aquisições, de fato o carro antigo bom e barato sumiu das "prateleiras".

Em paralelo, seja por necessidade, seja por puro esporte, a prática da boa restauração, mesmo com graves problemas de mão de obra e obtenção de peças, ascendeu. Para marinheiros de primeira viagem que muitas vezes pularam ao mar antes do atracar, descobriu-se o quanto é caro e demorado devolver a um veículo todas suas características de origem. Muitas vezes, esse fator aliado à escassez de determinados modelos fez com que preços disparassem. Lembram dos tais V8 americanos montados por aqui outrora desprezados? (Leiam-se os "muscles" Ford Maverick e Dodge Charger). Pois bem, de tanto subirem de preço, num dado momento, foi voz corrente no meio escutar que com os valores pedidos, muitas vezes alcançados, daria pra comprar os legítimos "muscles americanos", não só aqueles que aqui aportaram desde sua fabricação como a nova prática permitida por lei, a de importar tais modelos desde que com mais de 30 anos de produção.

Realmente muita coisa desproporcionada apareceu, por outro lado, analisando o custo de restauração, nem sempre os valores requisitados por modelos fielmente restaurados são realmente caros. Como o mercado até hoje (para a maioria dos modelos onde a oferta é maior ou tende a equilibrar-se com a demanda) não paga o chamado custo agregado, muito menos o custo financeiro, acaba sendo bom negócio comprar carro já restaurado. O grande problema é que achar um carro bem restaurado à venda é quase tão difícil quanto um unrestored.

É bom esclarecer que existe uma quase teimosia desse mercado ainda em formação em partir para o caminho mais fácil, no caso o mais barato, a prática de comprar carros incompletos, mal restaurados ou mal conservados e fazer "aos poucos". Na maioria das vezes, o incauto (ou não), percebe que o valor despendido sobre aquela "base ruim de restauração" já supera o valor daquilo que se pede por um modelo imaculado; com a diferença que no caso dele, jamais se chegará a um ponto à contento. Geralmente são essas pessoas que torcem o nariz ou fazem verdadeiras apologias ao "quão absurdo" seria pagar valores pedidos por esse ou aquele automóvel. De uma maneira geral creio que na realidade essa é justamente a baliza que possuímos. Num mercado ainda não consolidado o bastante, fazer o comparativo entre o valor requisitado por um veículo não só com os demais exemplares disponíveis mas principalmente com o custo de restauração. Lembrando que nesse caso, profundo conhecimento e análise sobre o modelo avaliado tem de ser feito, bem como custos de manutenção e restauração.

Havendo essa convicção, tenho certeza que muitas análises podem sofrer profundas mudanças ao se descobrir que o dito caro pode não ser tão caro assim. Contudo, geralmente aconselho pessoas a adquirirem veículos que realmente lhes represente algo, evitar compras por impulso e ter em mente que com exceção feita a algumas poucas raridades, a grande maioria dos automóveis, nunca foram e nunca poderão ser categorizados como investimento. Se pagam sobre o trabalho ou satisfação que exercem sobre seus proprietários, medidas nem sempre factíveis.