terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Fusquices - parte 2

Ainda tenho memórias de minha primeira infância quando já observava cada carro com atenção, admirava os detalhes do Fuscão 1500, talvez pelo fato de minha Mãe possuir um 1300 Branco Polar do qual também gostava. Vez ou outra eu me deparava com uma visão intrigante, um singelo “Fusquinha” de lanternas pequenas com a tampa traseira aletada dos 1500, 1600 standard (opção sem a decoração do Bizorrão) e mais tarde 1300 Luxo, lembro vagamente de que também possuíam as calotas planas do 1500. Atribuí por anos de que se tratavam de carros com a tampa do motor trocada. É possível até que alguma dessas unidades tenha recebido tal mudança, porém muito provável de que a maioria fosse nada menos do que um Fusca Série Bravo, também chamada como 1500 standard. Versão introduzida pela VW em 1973, com preço intermediário entre o 1300 e o 1500, eliminava certas características desta última como as lanternas traseiras maiores com luz de ré e o acabamento imitando Jacarandá da Bahia que o Fuscão possuía no painel e nas laterais. Por outro lado mantinha a motor de 1500 centímetros cúbicos, que era o mais interessante no pacote, uma vez que o caráter do carro mudava bastante entre as duas versões.

Belo exemplar Verde Hippie 1973.

Foi apenas em Março de 2003, já como membro do Fusca Clube do Brasil que “descobri” o modelo, que apesar de bem raro, aparecia “a conta gotas” nos encontros e eventos. É interessante observar como é enganosa a idéia de que uma montadora como a VW tida como uma das mais conservadoras dessa época em termos de inovações e diversificações era simplória em termos de evoluções, opções e minúcias. O Fusca além de receber muitas melhorias e avanços em cada ano que foi produzido, possuiu vasta complexidade relativa a opções de cores, acabamentos e versões. A ponto de enganar especialistas, ainda mais levando em conta a precária documentação, incluindo aí a própria fábrica.


Fusca Série Bravo no salão de 1972, numa pré-série ainda em “Azul Diamante”, cor que daria lugar ao Azul Niágara de 1973.

Acompanhando o mercado de carros antigos nos últimos anos, ainda é possível encontrar uma enorme quantidade de exemplares à venda, legado da produção nacional superior a 3,3 milhões de unidades entre 1959 e 1996 (com o hiato 1987-1992). O que mais impressiona, falando em 2019, é o alto grau de sobrevivência desses carros. Segundo o Detran do Estado de São Paulo ainda existem 827.202 unidades do modelo com o Renavam ativo. Especula-se em número parecido pulverizado pelos demais estados da federação, o que daria uma taxa de resiliência de 1:2 em relação à produção. Porém é certo que desse fantástico número de carros ainda disponíveis, a qualidade vem diminuindo muito. Até cerca de 10 anos atrás ainda se encontrava com certa abundância exemplares excelentes. Hoje existem muitos carros restaurados fora de padrão ou com problemas ocultos a breves análises, que podem enganar pessoas que não tenham tanta familiaridade e experiência com esses modelos, aliás muitos potenciais compradores que pela pouca idade, não conviveram com esses carros ainda em produção, mas consideram-no um objeto carismático.

Portanto, nesse mercado, não é fácil encontrar modelos realmente bons, com procedência, integridade e originalidade. Mais difícil ainda é encontrar as versões mais raras. Splits e Ovais já viraram peças de museu, carcaças são negociadas a valores inimagináveis, os precursores de 1959 desapareceram, os Cornowagen viraram lenda, os Pé de Boi de 1966 continuam sendo aquela meia dúzia que circula por Lindóia e Araxá, bons Bizzorrões evaporaram, os incomuns 1300 GL agora estão ainda mais, os Love e  Cristalinos contam-se nos dedos... Última Série e Série Ouro atingem cotações fora da razoabilidade.

Os 1500 da Série Bravo sempre foram difíceis porque não perduraram em produção, em 1973 a diferença de preço entre o Fusca mais barato e mais caro era da ordem de 30%, o Bravo que deveria ficar no meio do caminho era apenas 5% mais barato que o 1500 completo. Além disso, ouve-se estórias de 1500 Standard que logo receberam “os acessórios que faltavam”, matando assim sua identidade. Foi a antítese do 1300 L, lançado poucos anos depois.

Devo ter visto se muito uns cinco ou seis anúncios de carros com essa configuração na vida. Não seria em dezembro de 2019 que esperaria ver um. Há algum tempo voltei a pesquisar sobre Fuscas à venda, que para mim é um grande divertimento, por conta de um amigo que pensa em comprar um exemplar para sua filha. Nisso me deparo com o anúncio deste carro:


Branco Lótus de 1973 com bom grau de originalidade, alguns pormenores a fazer, regular ou “retirar”, nada que comprometa. No geral, excelente oportunidade "histórica".

Revendo algumas referências bibliográficas, recorri a uma das maiores no assunto, Sr. Alexander Gromow. Em uma de suas matérias, pude rever uma foto publicitária  famosa da VW que sempre me intrigou:

Muito bem, há tempos sei da existência dos Fuscas 1300, 1500 e 1500 Standard em 1973, bem como do SP2 e seu irmão unicórnio SP1, acompanhados pelo belo Karmann Ghia TC. Então o miolo da foto estava explicado. Já a duplicidade no caso da Variant, TL 2 e 4 portas, nunca fora tratada com clareza pela VW. Até o assunto ser muito bem explorado pelo citado autor. Na verdade, tratava-se sobre a filosofia geral da marca para aquele ano. Vale a leitura:

Fusquices - parte 1

Voltando do almoço hoje, não é que me aparece mais um bonito Fusca no caminho? Fazendo um esforço, dá para considera-lo como um laranja intenso. Esse sei bem que trata-se do “Vermelho Nobre”, pois certa vez quase comprei um exemplar. Tom lindíssimo, me lembra o das Mclaren Marlboro.

Depois disso tive vontade de me debruçar novamente sobre o tema “Fuscas amarelo e laranja”, cores que sempre vestiram bem o besouro. Dei uma reexaminada nos tons, pelo menos entre 1971 e 1978 (aonde eles mais se concentram). Nem me atrevo a entrar no assunto “vermelho”, porque aí o problema é dobrado. Descobri coisas interessantes.

Começando pela mais maravilhosa, afinal porque em algumas tabelas o laranja de 1971 aparece como “bittersweet”, sendo que na época as cores eram todas denominadas em português? Falando nisso vamos analisar a etimologia da palavra. Seria como “algo a mais do que simplesmente doce”, ou em única expressão “agridoce”... que inclusive é coincidentemente ou não a cor daquele molho com esse sabor, servido nos restaurantes chineses. Mal sabia eu que trata-se também de uma planta:

Nessa época o tal bittersweet, constava no catálogo de cores da VW EUA, alguém teve a brilhante ideia de começar a chamá-la por essa nomenclatura, mas não é a oficial.
Aqui constou no catálogo como LARANJA GRANADA L-1251, apenas em 1971, o que é uma pena, dado tamanho deslumbre. Mas porquê “granada”? Porque trata-se da planta e sua flor que recebem esse nome, nada menos do que bittersweet em inglês.

Flor de Granada acima e Laranja Granada (Bittersweet) abaixo, L-1251, 1971, VW do Brasil.

Na internet é possível se deparar com algumas cartelas de cores ou listas. Inexplicavelmente muitas vezes existem falhas, discrepâncias ou simplesmente falta de algumas tonalidades. Uma delas, embora também contemple esses problemas, resume bem o panorama de cores VW dos anos 70 e 80:

Por algum motivo inexplicável, o Laranja Granada só existiu em 1971, para 1972 surge o Laranja Monza, tom de mesma base mas sem o componente rosáceo. Apesar de rara, não chega a ser uma improbabilidade se deparar com um Fuscão Granada nos eventos ou até mesmo na rua, o que dá a entender que as vendas não foram um fracasso, seria então por algum preconceito? Não se sabe, mas a olhos vistos, pelo menos na minha opinião, a Monza que a substituiu é bem menos interessante.
A seguir, os principais tons amarelos e laranjas (e outros próximos a eles) dessa fase, uma limitada indústria nacional que compensava a balança com coisas como essa “alegria colorida”.

Amarelo Colonial L-268 (1972)

Amarelo Manga L-1265 (1971-72)

Laranja Granada L-1251 (1971)

Laranja Monza L-1255 (1972)

Amarelo Texas L-1364 (1973)

Amarelo Safari L-1363 (1973-74)

Amarelo Imperial L-6005 (1975-76)

Laranja Outono L-5004 (1975)

Ocre Marajó L-1271 (1973-74-75)

Amarelo Caju L-1362 (1973)

Vermelho Nobre L-5003 (1975)

Amarelo Java L-6012 (1977-78)